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CULTURA

Compreender os aspectos culturais da Ilha do Bororé implica considerar as características socioambientais desse território, visto as especificidades dessas relações dentro do contexto paulistano. A região, margeada pela represa Billings, pertence também à APA (Área de Proteção Ambiental) Bororé - Colônia, tendo grande parte de sua área coberta por remanescentes de Mata Atlântica.  

À essas particularidades, soma-se a presença de Chácaras, Sítios e Clubes de Campo no local, que contribuem com o desenvolvimento do turismo rural e lazer no território. Além disso, a permacultura, a pesca - atualmente em menor escala, em decorrência da poluição constatada na represa - bem como o cicloturismo e o turismo ecológico são práticas que podem ser observadas na Ilha. No setor turístico, duas organizações autônomas da sociedade civil destacam-se: a Associação dos Empreendedores de Turismo da Ilha do Bororé (ATIBORÉ) e a Associação Empresarial do Polo de Ecoturismo de SP (AMTECI). 

Outro fator a ser mencionado é a influência que as manifestações culturais do Grajaú exercem sobre a Ilha do Bororé, observada, por exemplo, na atuação de artistas e arte-educadores do Grajaú nos Saraus e atividades da Casa Ecoativa, nos roteiros turísticos do Meninos da Billings, ou até mesmo nas atividades culturais da Escola Estadual Professor Adrião Bernardes, com oficinas promovidas pelo Coletivo Imargem

 

A VIDA ANTIGA NO BORORÉ

Quando questionados sobre a antiga vida na Ilha, os moradores do Bororé comentam sobre as festas religiosas que ocorriam ao redor da capela de São Sebastião, os mutirões de capinação e os bailes. Além dessas tradições, as falas dos residentes ouvidos pelo Bororé ao Mundo revelam a importante relação desenvolvida entre a Escola e Casa Ecoativa, que há anos contribui com a ampliação da cena cultural na Ilha, com atividades de caráter educativo envolvendo, dentre outros temas, a preservação e a consciência ambiental. 

O "GIRO DAS PERIFERIAS" E A CENA CULTURAL PAULISTANA

Na última década do século passado, um grupo de intelectuais da América Latina, denominados Grupo Modernidade/Colonialidade propôs uma revolução nas ciências sociais através da exposição de outras lógicas para nos entendermos como povo e cultura. Suas críticas eram voltadas ao colonialismo e à ideia de modernidade implantada no continente pelo colonialismo europeu (branco, cristão e capitalista). Esse movimento ficou conhecido como “giro decolonial”.

 

Nos últimos 20 anos, os acontecimentos nas periferias de São Paulo se consolidaram como principal fenômeno cultural da metrópole em todos os sentidos, primeiro de potência cultural localizada em quantidade e intensidade, depois chamando a atenção dos circuitos culturais institucionais e midiáticos. O “centro” passou a se interessar muito pelo que vinha das bordas, estando ou não nas margens geográficas da cidade, com as mesmas intenções dos intelectuais decoloniais. As periferias produziram seu próprio “giro”, porém, não acadêmico e científico, mas materializado em práticas de cunhos cultural e político.

 

Exemplo disso é a Comunidade Cultural Quilombaque, da Zona Norte, movimento político-étnico-cultral regido por tambores. Ele foi iniciado em 2005 no bairro periférico de Perús por jovens moradores insatisfeitos com suas condições de vida, em prol da justiça, igualdade e manutenção de suas tradições. O coletivo reúne pessoas de todas as idades que utilizam a arte e a cultura como ferramentas privilegiadas para afirmação de identidade, novas formas de relação entre os diferentes, a diversidade e o protagonismo de um desenvolvimento social sustentável. Através de seus encontros, consolidam contornos de uma política pública cultural, garantindo acesso a recursos e condições mínimas aos moradores da periferia: étnicas, geográficas, econômicas, culturais, etárias e de gênero.

 

Analogamente, na Zona Leste, em 2008 um grupo de jovens se reuniu para formar o espaço comunitário “Espaço São Mateus em Movimento”. Tal mobilização se deu devido ao descontentamento com a precariedade da região em que viviam e a falta de oportunidades na educação, no lazer e na cultura. Se organizando e se identificando como uma Rede de Coletivos e Agentes Culturais, seus idealizadores foram o articulador cultural “Negotinho” e o coletivo de grafite “Grupo OPNI”. Atualmente, atingindo um de seus objetivos, o espaço também é um ponto de cultura e um pólo periférico de cultura digital (Media Lab São Mateus em Movimento), sendo um dos selecionados na primeira edição dos editais redes e ruas e cultura viva realizados pela prefeitura de São Paulo.

 

 

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O Hip-hop e o grafite são as principais linguagens utilizadas por estes jovens da periferia. Na Zona Sul, o Grajaú se destaca, com fama internacional, como polo irradiador das duas. Em 2006, nas margens da represa Billings, foi criada a iniciativa multidisciplinar do Imargem que utiliza a linguagem da arte urbana, focada na democratização da arte e direito à cidade como meio de atuação. O coletivo utiliza as referências territoriais e ambientais em murais, esculturas, oficinas e debates para desenvolver e aprofundar-se nos eixos arte, meio ambiente e convivência, que norteiam os princípios e consciência do coletivo. Com tal fomentação de um olhar dirigido para sua periferia, eles instigam o pensar e agir diante das potencialidades e problemáticas da sociedade, da margem à centralidade da cidade, ampliando os olhares dos educadores e participantes para o espaço urbano. O Grajaú é o mais populoso dos 96 distritos paulistanos e o que apresenta as menores taxas de qualidade de vida, desenvolvimento humano e equidade, segundo dados da Prefeitura Municipal de São Paulo. Assim ele é marcado por jovens e crianças que enfrentam diariamente muitas dificuldades e obstáculos. Devido a isto, muitas das intervenções e atividades multidisciplinares desenvolvidas por este grupo são com a participação do público infanto-juvenil. 

Estes exemplos nos extremos da cidade tão somente ilustram uma cena cultural que assume cada vez mais importância por se assumirem como sujeitos das transformações socioculturais em processo. O “giro das periferias” é muito mais extenso e espalhado pela cidade toda, inclusive em guetos nas áreas centrais, muitos deles com intensidade proporcional às demandas de seus territórios, como os três exemplos citados. Portanto, só podem ser compreendidas e analisadas observando a origem e as condições de vida que deram origem a tais atuações, específicas de cada periferia, entendendo, sobretudo, a grande potência de vida e complexidade de cada território da cidade.

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OS COLETIVOS

O GRAJAÚ
 

O Grajaú, distrito mais populoso da metrópole paulistana situado na Subprefeitura da Capela do Socorro, se destaca na cena cultural como um importante foco do giro das periferias. Às margens da Represa Billings e nas imediações da Guarapiranga, o lugar se diferencia por sua paisagem e geografia, sendo rodeado pelas águas e  por remanescentes de vegetação nativa. O Grajaú já é reconhecido na cena cultural periférica e paulistana através de rappers como Criolo e MMoneis e do grafite de Mauro Neri, com o projeto “Ver a Cidade”. Todavia, a região abarca uma riqueza no que diz respeito à cultura. As características do território físico influenciam a vivência dos moradores do local e contribuem com a construção de uma identidade cultural única, mediada por atividades que vão do escopo musical e artístico à pesca e ao turismo náutico. 

 

A explosão de atividades culturais em bairros periféricos de São Paulo desde a década de 1990 tem fomentado a produção artística e dessa forma, contribuído para a construção de um significado para a periferia, constituindo também uma forma de sociabilidade para a população local. A efervescência cultural que floresce no território grajauense é de grande importância para as periferias paulistanas. É uma forma de garantir às localidades marginalizadas o acesso à serviços essenciais, de lazer e de cultura, constantemente negados pelas políticas públicas urbanas, que favorecem as centralidades. A organização de movimentos sociais autogeridos fazem frente a essas políticas, aproximando os moradores do Grajaú e de outras periferias de São Paulo do seu direito à cidade. 

 

No Grajaú, coletivos como o Imargem, o Navegando nas artes e o Meninos da Billings, dão voz aos moradores locais, conferindo-lhes identidades culturais a partir do sentimento de pertencimento a um grupo. São também instrumentos de fortalecimento desse grupo frente a fragmentação da cidade e as condições precárias a que estão sujeitos. A arte urbana periférica é nesse sentido um reflexo dos moradores do local, da sua cultura, da sua individualidade, dos seus anseios, demandas e também do seu orgulho frente à estigmatização de sua existência. A identidade periférica do Grajaú promove o direito à cidade, criando a cidade que se deseja e não só usufruindo do que já existe. Isso se concretiza através de ações e eventos promovidos por locais como o Centro Cultural Palhaço Carequinha, o Circo Escola e a Casa Ecoativa. 

O movimento sócio cultural artístico emerge então como um catalisador das impossibilidades políticas e das possibilidades autônomas, fazendo política por meio dessas organizações e produções de arte e cultura que consolidam a periferia como um “modo de estar no mundo, um posicionamento político e um discurso ressemantizado sobre o território e o lugar marginalizado".

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Essa também é uma forma de negar a estigmatização frequente do distrito. Ao introduzir esse movimento sintonizado na cidade, a cena cultural periférica subverte o valor pejorativo frequentemente atribuído às áreas marginalizadas. Este trabalho tem sido veiculado por mídias independentes como o Quebramundo e a Periferia em Movimento, através de um jornalismo que evidencia as questões periféricas e divulga a cultura local, quebrando estereótipos frequentemente propagados pelos meios de comunicação dominantes.

Cultura é fazer e participar das artes, sim, mas também é muito mais.

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